Adoro a minha profissão de Psicóloga, pois ela me proporciona conhecer pessoas, histórias, sonhos e realizações. Ser parte da vida dessas pessoas é para mim, algo muito especial. Sou diariamente tomada por um profundo respeito, carinho e admiração pelos que eu atendo. O texto abaixo foi escrito por uma mulher muito especial, que busca incansavelmente encontrar a si mesma. Tenho o grande privilégio de compartilhar da sua vida como terapeuta e de presenciar o seu crescimento dia após dia. Com profunda autenticidade ela escreveu o texto para ser postado neste Blog. Seu desejo é de dividir com outras pessoas a sua rica experiência.
"Caro Leitor,
Quero compartilhar com você a minha experiência de vida: Quando eu era bem pequena fiz uma promessa, que por alguns anos ficou “esquecida”, mas que agora começa a ser cumprida...Certo dia prometi pra mim mesma que seria feliz. Sei que pode parecer estranho esse tipo de promessa, porque ser feliz é algo inerente às pessoas, é algo tão básico e normal de se querer, que o fato de se prometer algo como isso soa, no mínimo, estranho. Mas para alguém que nunca soube o significado dessa palavra é a grande conquista de uma vida toda.
Cresci numa família desestruturado, com um pai alcoolista e bastante violento. Eu não conseguia compreender o porquê de tanta crueldade, não entendia como alguém que deveria amar e cuidar de sua família nos fazia passar por todo tipo de violência física e emocional. A única coisa que eu entendia claramente era a profunda tristeza que eu via nos olhos da minha mãe, eram olhos sem brilho, infelizes de uma profunda apatia. Foi vendo a tristeza naqueles olhos que eu tanto amava que prometi pra mim mesma que eu seria feliz, que buscaria o amor e a verdade pra minha vida.
Duas décadas mais tarde estava eu me olhando no espelho, quando, de repente, vi refletido aquele mesmo olhar que eu via ao olhar para minha mãe. Comecei a me perguntar o que havia acontecido com a minha promessa de ser feliz. Onde foram parar os meus sonhos? E as coisas que eu acreditava?Estava então casada. Meu marido era um bom homem, uma pessoa honesta, tranquila, dedicado à nossa família. Tínhamos uma casa modesta e confortável. Tínhamos também nossos empregos, ou seja; uma vida tranquila. Em tese eu tinha tudo pra ser uma pessoa feliz e realizada. No entanto, não era. Carregava na alma uma tristeza profunda.
Por muitas e muitas noites, durante anos, deitava a cabeça no travesseiro à noite e as lágrimas desciam sem que eu pudesse controlá-las, chorava baixinho pra que meu marido não percebesse, levava as mãos à boca para abafar um grito que poderia sair a qualquer momento. Durante àquele choro silencioso a pergunta se repetia: O que é que eu fiz da minha vida? O que havia acontecido com minha promessa? O que mais me fazia sofrer era não amar o meu marido. Na realidade nunca o amei. Nos dois primeiros anos do nosso casamento cheguei a me enganar imaginando que o amor viria com a convivência, que eu conseguiria ser feliz mesmo vivendo um relacionamento sem paixão.
Imagino que você, deve estar se perguntando como eu me casei mesmo sem amor, sem paixão. Na realidade acredito que a principal razão foi porque aquele homem me trazia muita tranquilidade. Ele me deu um lar calmo (bem diferente do que vivi quando criança). Eu tentava me conformar e ser grata pela vida que eu tinha. No entanto, quanto mais eu tentava, maior era o meu sofrimento e maior a certeza de que eu não conseguiria.
Em meio a esses e outros conflitos comecei a fazer terapia. Já se vão cinco anos desde o primeiro atendimento. Aqueles encontros eram para mim como um alívio, um lugar seguro onde eu podia dizer absolutamente tudo o que sentia. Muitas vezes quando eu ia me aproximando da clínica já começava a chorar. As lágrimas desciam sem que eu pudesse contê-las e quando sentava na frente da minha terapeuta não falava uma só palavra, apenas chorava copiosamente. Aquelas lágrimas aliviavam o meu espírito, me deixava mais forte pra seguir o meu caminho. Durante as sessões eu sempre falava que queria ser livre. Queria poder ser feliz de verdade, fazer minhas próprias escolhas de forma consciente e verdadeira. Não queria estar num casamento apenas para dar satisfação ao mundo, ou porque meu marido era um homem bom. Queria liberdade pra poder cumprir a minha promessa.
Na terapia “descobri” que para mim, a tão sonhada felicidade estava intimamente ligada ao fato de poder fazer minhas próprias escolhas, a ser livre para aprender e viver todas as experiências que a vida pode me proporcionar.
Imagino que você deve estar se perguntando se por acaso eu estava com um revólver na cabeça sendo obrigada a dizer sim perante o juiz, afinal, fui eu mesma, por livre e espontânea vontade, que escolhi o noivo, a data do casório e todos os móveis da casa. É, fui eu que fiz tudo, ninguém me forçou a absolutamente nada. No entanto, hoje percebo que eu não estava de fato fazendo escolhas, estava apenas brincado do “jogo do contente”.Qual de nós já não leu ou conhece aquele famigerado livro chamado Poliana? Há décadas este é o livro que algumas mães dão às filhas para ler quando estão entrando na adolescência (como uma espécie de ritual de iniciação à vida adulta). Pois bem, o joguinho era muito simples, consistia apenas em parecer ser feliz diante das situações mais adversas. Perceber que por pior que seja a situação sempre há algo de bom. Foi exatamente isso que fiz comigo, eu não estava casando com que eu amava, mas pelo menos podia agradecer por ter um companheiro, uma casa tranquila... Não tinha paixão naquela relação, mas tinha segurança, alguém pra me apoiar quando precisasse. É impressionante como não apenas eu, mas muitas pessoas brincam do jogo do contente e nem se dão conta. Sou capaz de apostar que você está brincando dele agora. Vamos testar? Imagino que você deve detestar seu trabalho, que todos os dias de manhã quando acorda é acometida de um desânimo enorme. E aí qual é seu primeiro pensamento? Bom, pelo menos eu tenho um trabalho. Imagino que você deve estar noiva, namorando, ou enrolada com alguém; não importa. Você já se perguntou se ama de verdade esse alguém, ou será que está brincando do tal joguinho, dizendo para si mesma: “Não morro de amores, mas ao menos não estou no grupo das encalhadas”. Eh! Minha cara. É por essas e outras, que detesto aquele manual de fazer Amélias chamado Poliana. Durante os nossos encontros minha terapeuta me deu outro livrinho pra ler chamado “Complexo de Cinderela”. Já li muitas coisas nessa vida, mas nunca, jamais, li algo que me trouxesse tanta lucidez. Esse livro fala da dependência emocional das mulheres com relação aos homens. Por mais que nós mulheres, tenhamos nos tornado referência no mercado de trabalho, quer sejamos sinônimo de competência e competitividade. Que, apesar de atualmente a maioria dos lares serem sustentados por mulheres, por mais que tenhamos conquistado nosso espaço de igual para igual com os homens, no que diz respeito ao lado emocional nós somos absolutamente dependentes. Não vou fazer maiores comentários sobre o livro por receio de ser simplista demais levando em consideração a inteligência e maestria da escritora. O que de fato pretendo dizer é que apesar de eu saber onde estava a raiz do meu sofrimento, apesar de ter condições financeiras para me separar, ainda assim, eu não conseguia fazer absolutamente nada.
Fiquei durante cinco anos chorando diante da terapeuta dizendo que não conseguiria que não seria capaz, que não tinha forças para recomeçar a vida do jeito que eu queria. Sabe o que certa vez ela me falou? “Se você não tomar as rédeas da sua vida ninguém mais o fará”. A partir daquele momento tudo ficou claro pra mim. O que estava acontecendo é que eu estava há anos chorando a espera de alguém, de um príncipe encantado que me viesse “salvar” da minha vida sem cor e sem brilho. Entendi que o que me deixava na mais absoluta inércia era o que o livro tão sabiamente chamava de dependência emocional. Percebi que, ou eu fazia algo pra mudar minha realidade, ou ficaria durante muitos anos chorando sem que nada mudasse.
Não me pergunte como, mas a verdade é que após muitas noites insones, muitas lágrimas e anos de terapia, um belo dia resolvi que era chegada à hora de cumprir a promessa de ser feliz, de buscar a verdade pra minha vida, de ser totalmente independente (inclusive emocionalmente). Separei-me e posso garantir a você que não foi um processo fácil, muito pelo contrário, apesar de viver numa relação falida foi muito difícil reconhecer que de fato eu sempre estive só e sair de casa era apenas a concretização de algo que eu já vivia.
O dia da minha saída foi terrível. Quando comecei a desarrumar minhas coisas e colocá-las em caixas um medo enorme começou a tomar conta de mim. A pressão que eu sofria por parte da minha família e alguns amigos para não pôr fim à relação começou a me sufocar. Minha mãe que na noite anterior havia dormido na minha casa, pela manhã tomou o seu café e foi embora, não me ajudou, não me perguntou como eu me sentia e nem me desejou boa sorte, simplesmente foi embora. Meu único irmão que mora na cidade e que havia prometido me ajudar com os móveis durante a mudança na hora marcada, não me ligou, não me ajudou, não apareceu... Naquele momento eu me senti absolutamente abandonada, fragilizada e só. Não demorou muito e as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. Eram lágrimas de decepção.
Apesar de tudo eu tinha uma certeza: Não iria desistir, sabia que a dor fazia parte do processo que eu estava passando. Tentava me focar na certeza de estar tomando a melhor decisão.Eu ficaria horas falando a respeito de tudo que passei e senti durante os primeiros dias após a minha separação. Os primeiros dias são complicados, a cada dia o aprendizado é intenso. Mas o importante é dizer que estou realmente feliz e realizada. Moro sozinha, meus parentes vivem longe, sou eu que pago as minhas contas. Estou reaprendendo a fazer amigos e posso garantir que nunca fui tão feliz em toda minha vida, a sensação de independência emocional é maravilhosa. A separação é recente, estou descobrindo como é ser feliz comigo mesma, sem esperar que os outros me faça feliz e cada dia desse aprendizado me surpreende em constatar que diferentemente do que eu imaginava, longe de me sentir solitária e fragilizada, cada dia vivido desde minha separação tem sido dias cheios de paz, plenitude e felicidade em saber que dei o primeiro passo em busca da felicidade".