domingo, 5 de abril de 2009

Não bata. Eduque!


Quem me conhece sabe que sou uma defensora da não violência contra crianças e adolescentes, por isso, escrever sobre esse tema é acima de tudo um dever.

O meu trabalho com crianças me permite escutar pais e filhos e ter uma visão mais realista de como a educação está equivocada. É claro que a intenção dos pais é de ajudar e educar os seus filhos, mas o que observo é que existe um enorme abismo entre esse desejo e a ação.

Muitos já devem ter escutado a frase: “Pedagogia da Palmada”. Ela mostra claramente um problema sério, que é a banalização do uso da violência como meio de solucionar conflitos. Além disso, ensina a criança que a violência é uma maneira plausível e aceitável. Já perguntei para muitas crianças que apanham de seus pais, o que elas pensam. Pasmem, mas elas acham que é certo, pois fazem “bobeira” e merecem apanhar. É claro que elas não gostam nem um pouco, mas estão convencidas através da ação dos pais, que bater e apanhar é o certo. Não lhes é mostrado outro caminho, então é claro, elas vão acreditar no que é dito e feito.

A realidade é que as punições corporais e psicológicas contra crianças e adolescentes, tais como as palmadas, castigos, chineladas e ameaças, são práticas habituais em quase todas as famílias, e o pior de tudo é que são encarados como ferramentas essenciais para “educar e disciplinar” os filhos. Poucos levam a sério o fato de que o castigo físico e humilhante poderá ter reflexos negativos ao longo da vida da criança; sem falar que constituem uma violação aos Direitos Humanos fundamentais, atentando contra a dignidade humana e a integridade física das crianças e adolescentes.

É bom lembrar que o uso do castigo físico infligido a uma pessoa faz parte de um “ciclo de violência”. Entretanto, muitos pais ainda não enxergam dessa forma, pois esta metodologia educativa está fortemente legitimada em nossa sociedade. Assistimos a programas que ensinam como castigar nossos filhos. Existem muitos livros que ditam normas cruéis sobre como punir e disciplinar. Os pais que utilizam a tapa, a palmada ou a chinelada para “educar” o fazem acreditando que estão fazendo o melhor, mas não percebem o estrago por trás dessa ação. Não vêem que estão abusando da diferença de poder que existe numa relação entre um adulto e uma criança.

Se a violência física contra um adulto não é aceitável socialmente, sendo passível inclusive de sanções legais, porque contra a criança deve ser aceita? Essa é uma pergunta intrigante.

Muitos não têm conhecimento dos efeitos que o bater provoca em seus filhos. Pensam que a criança esquece ou nada assimila. Engano terrível. Existem conseqüências nada positivas nas crianças vítimas de violência doméstica. As consequencias não podem ser generalizadas para todas as crianças, pois depende da experiência de vida de cada uma e da configuração familiar. Entretanto, uma conseqüência direta do uso do castigo físico é o aprendizado equivocado de que a violência é certa e soluciona conflitos e diferenças. A partir desse aprendizado, a criança irá manter o mesmo tipo de relação com outras pessoas, como na escola, com os irmãos e amigos, com os pais, etc. Sem falar em conseqüências psicológicas freqüentes, tais como introversão, medos desconhecidos, baixa auto-estima, insegurança, timidez, excesso de passividade e submissão.

Muitas vezes, a agressão física ou psicológica acaba acontecendo num rompante, não sendo uma prática cotidiana. Quando isso acontecer, sente com seu filho e seja sincero com ele, explicando que perdeu o controle e que se arrepende por isso. Este tipo de atitude é um ótimo exemplo de humildade e de respeito para com o outro. Ao sentar para conversar, você estará dando um ótimo exemplo de que pedir desculpas não é algo do qual a criança deva se envergonhar e de que errar é humano, que nem sempre vocês pais, irão acertar em tudo, apesar de sempre desejarem o melhor para ele. Aproveite o momento para ouvir a criança e procurar, juntamente com ela, estabelecer as “regras” de boa convivência para todos dentro de casa.

Agora se você usa a pedagogia negra* para educar, valer-se do que foi citado no parágrafo anterior não vai adiantar de nada, só vai lhe criar um problema maior, pois ao bater cotidianamente e pedir desculpas, você vai transmitir insegurança, desrespeito e o quanto a sua palavra não tem o menor valor. Antes de tudo você precisa parar de bater e encontrar uma maneira mais humana de educar aqueles que você tanto ama.

Um simples exemplo da perda de controle dos pais, é quando estão cansados demais após um dia de trabalho e descarregam em seus filhos todo o seu estresse. Junto com a criança, você pode conversar e estabelecer que, quando estiver cansado, você precisará de um tempinho para respirar fundo, relaxar e, então, dar a atenção de qualidade que ela merece.
 
Acredito ser importante esclarecer quais são os castigos físicos e humilhantes. A lista é grande, mas cito aqui apenas os mais usuais nas famílias:
· Palmadas
· Beliscões
· Tapinhas na mão
· Pontapés
· Puxão de cabelo
· Rejeição ou desqualificação da criança ou do adolescente
· Bater com a mão ou com um objeto (vara, cinto, chicote, sapato, fios, etc.)
· Xingamentos, humilhações
· Castigos excessivos, recriminações, culpabilização
· Ameaças
· Uso da criança como intermediário de desqualificações mutuas entre os pais em processo de separação
· Responsabilidades excessivas para a idade
· Sacudir ou empurrar a criança
· Clima de violência entre os pais e de descarga emocional em cima da criança
· Obrigá-la a permanecer em posições incômodas ou indecorosas
· Obrigá-la a fazer exercícios físicos excessivos.
· Surras
· Chacoalhar a criança, etc.
Educar não é difícil, mas vai exigir de você paciência e amor. Costumo dizer que antes de qualquer casal decidir ter um filho, eles precisam decidir se estão dispostos a educar. Para isso vão precisar de algum tempo disponível, paciência, respeito e amor para com seus pequenos.

Não delegar a educação dos filhos a terceiros é um precioso passo para a educação de qualidade.

Decidi compartilhar algumas perguntas que frequentemente escuto e percebo que é comum para muitos pais.

“Não tenho autoridade com meus filhos. O que fazer para que eles me respeitem?”- Ser autoritário e ter autoridade sobre os filhos são coisas diferentes. Os pais autoritários geram filhos com medo, insegurança e ressentimento. Ao contrário, pais com autoridade a conquistaram com respeito e diálogo. As crianças aprendem a se relacionar com os adultos a partir da maneira como eles se relacionam com elas. Sabemos que a criança precisa de limites. A idéia não é remover os limites e a disciplina da educação e da criação dos filhos, mas utilizar formas de disciplina sem o uso da violência.

Meu filho está agressivo e não obedece. Já tentei fazer várias coisas e não quero bater. Como dar limites sem bater? O que faço?- Parto do princípio que todas as crianças devem crescer em um ambiente livre de violência e que o diálogo – mesmo com os muito pequenos – deve sempre prevalecer. Uma criança que apanha ou é humilhada vai aprender que os conflitos se resolvem desta maneira. A agressão e a desobediência são um reflexo de uma educação inadequada, e para corrigir um aprendizado equivocado, somente com muita calma e amor. Certamente a criança aprendeu a agredir por defesa e a não obedecer por não acreditar mais nos pais. O processo agora é de reconquista: converse com calma com o seu filho. Muitas vezes as crianças testam os nossos limites e o nosso amor. Se quando a criança grita ou tem um comportamento agressivo e os pais cedem ao que ele quer, ele vai aprender que gritando e caindo no chão ele consegue o que quer. Uma dica: sempre que for falar com eles sobre a atitude que está tendo, abaixe-se para ficar da altura dele e olhe nos olhos. Repita até que ela apreenda o comando que você está dando. Lembre-se que o tempo e a forma como as crianças entendem as coisas é bem diferente do nosso. A paciência é indispensável.

"Apanhei quando criança e sou uma boa pessoa, não aconteceu nada comigo". Porque não devo educar meus filhos da mesma maneira?- Essa pergunta é a mais comum de todas. Embora muitas pessoas acreditem que "não aconteceu nada", castigos deixam sentimentos de raiva, ressentimento, rancor, medo e frustração. Apesar de muitos pais acharem que “educar batendo deu certo”, acredito que “educar sem bater”, com diálogo, respeito e participação fortalece o relacionamento com seus filhos, cria respeito, confiança. Educar com violência acaba legitimando a idéia de que a melhor forma de resolver conflitos é através da violência. Posso quase afirmar que você não gostava nadinha de apanhar, não é mesmo?

Acredito que a forma de educar meus filhos é assunto de minha família. Porque uma questão privada deve ser discutida na “sociedade”?- O castigo físico é uma forma de violência social e viola o direito da proteção integral da criança e do adolescente. A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por 130 países, dentre eles o Brasil, recomenda expressamente que as punições corporais na família, na escola e nas instituições penais, sejam proibidas por todos os signatários. O que para muitos parece uma simples questão privada acaba tendo reflexos negativos para toda uma sociedade. Um exemplo é a questão da violência contra a mulher. Até algumas décadas atrás, a violência contra mulher também era considerada um ”problema privado”, e muitos países ainda consideram que a mulher é “propriedade” do homem. No entanto essa situação vem mudando, sendo que muitos países já possuem legislações exclusivas para o tema, e a mulher é progressivamente vista como sujeito de direitos nas mesmas condições que qualquer outro cidadão. Sendo as crianças indivíduos vulneráveis, garantir a sua integridade física e moral é dever de todos: da família, da comunidade e da sociedade. Absolutamente não é um assunto da sua família, é um assunto da sociedade!

Porque eliminar castigos físicos e humilhantes deve ser uma prioridade, quando existem violências mais severas, como o abuso sexual por exemplo?- Por serem amplamente aceitos, e, portanto também corriqueiros, os castigos físicos e humilhantes acabam sendo deixados em segundo plano na luta pela garantia dos direitos das crianças. Todavia, as razões acima são justamente as que fazem deste tema prioritário nessa luta. Trabalhar pela erradicação dos castigos físicos é uma forma de eliminar todas as formas de violência contra crianças, afirmar que existe um “limite” entre violência leve e grave é uma forma equivocada de abordagem, pois ignora a criança como um sujeito de direitos.
Finalmente, todas as formas de violência estão inter-relacionadas e devem ser combatidas igualmente, começando pelos nossos lares.

Abaixo um vídeo para reflexão.
Abraços,
Lila

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*Pedagogia Negra - termo usado pela psicóloga e escritora Alice Miller para definir uma educação desrespeitosa e com violência.
- Fonte que ajudou na postagem: Manual dos direitos da criança e do adolescente.

4 comentários:

  1. achei muito interssante o seu blog, o que voce trata não tinha visto na net até hoje, parabens

    Ronaldo
    www.frasesmusicais.blogspot.com

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  2. Sim , como a maioria de nós fomos educados com tapas , cintadas e beliscões ( prática muito comum há dez anos atrás ), encontramos dificuldades para uma mudança drática de comportamento .
    Memo sabendo que bater não educa ninguém , não conseguinmos deixar de ameaçar diante de um comportamento inaceitável : "se fizer isto ou aquilo , apanha!!!" A própria sociedade precisa se reeducar para educar corretamente ,com a paciência ,a tolerância , a firmeza e o amor que toda criança merece!

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  3. Olá,eu tinha que fazer uma redação na escola que trata desse tema,e esse blog me ajudou muito e me fez formar uma opnião a respeito disso.O video de reflexão é ótimo. Parabéns pelo seu trabalho psicóloga.

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  4. Parabens, linda e comovente sua mensagem. Seu Blog e você me ajudarão muito na caminhada da educação de meus alunos e filha. Obrigado!!

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