quinta-feira, 19 de março de 2009

Filhos de Pais Alcoolistas e a Relação de Co-dependência


Trago este tema, pois esta é uma realidade para muitas famílias brasileiras. Muitas vezes nem mesmos os filhos sabem reconhecer se seus pais são ou não alcoolistas, apenas observam que seus pais bebem um pouco demais e ficam “diferentes”. Isso se dá devido a relação álcool e família ser protegidas dentro do lar. Para percebermos isso é só observarmos quantas pessoas bebem dentro de casa, em festas familiares, no dia a dia. Não falo de um copo de vinho no jantar, falo de uma grande quantidade de bebida. Um exemplo de proteção a que me refiro aparece nas falas do tipo: “Pelo menos está bebendo dentro de casa e não na rua”, “Prefiro que beba em casa, pois é mais seguro”. Por isso, a criança ao se tornar adulta tem dificuldade em reconhecer se um dos seus pais era ou é um alcoolista, e na maioria das vezes esse reconhecimento vem devagar, é uma percepção que vem com o tempo, quando vem. Para muitos, reconhecer que um membro da família é alcoolista, quebra regras familiares e viola o silêncio que emudece as famílias amedrontadas e revela segredos que foram mantidos escondidos por anos.

O que muita gente não sabe é que o alcoolismo é uma doença com várias classificações. Vou me referir aqui a física e a mental. É uma doença física, pois nem todo mundo que bebe igual quantidade de álcool se torna dependente. Algumas pessoas experimentam “blackouts” (falhas de memória) na primeira vez que fica bêbada. Num outro nível, alcoolismo é uma doença mental, uma vez que pessoas se tornam fisicamente dependentes do álcool, mesmo que num grau mínimo, suas funções mentais ficam alteradas. Elas já não podem sentir emoções intensamente nem podem pensar com o máximo de clareza.

É claro que todo consumo excessivo de álcool gera problema não só para o individuo ou para a sociedade, mas em especial para a sua família. E, em toda família que existe um alcoolista existe a relação de Co-dependência*. Mas o que é isso? Timmen L. Cermak nos dá a seguinte explicação para a co-dependência: “Quando duas pessoas (ou duas nações) se tornam interdependentes, ambas concedem ao outro poder sobre seu bem estar. Por outro lado, quando duas pessoas se tornam co-dependentes, ambas dão ao outro poder sobre sua auto-estima. Quando alguém falha com você numa relação de interdependência, você padece uma perda de dinheiro, tempo, etc. Mas quando alguém falha com você numa relação de co-dependência, você padece uma perda de auto-estima”.
O exemplo abaixo demonstra as relações distorcidas que existem numa família alcoolista, e o papel que todos os membros da família desempenham na manutenção dessas distorções.

Um casal senta-se no consultório com suas costas ligeiramente voltadas um para o outro. Seu filho mais velho, quase às lágrimas, está sentado entre eles. Eles não falam abertamente sobre o que está acontecendo. Os pais negam sentir qualquer coisa. O filho parece ter medo de chorar e insiste que as coisas estão melhores, agora que a bebedeira parou. Um dos pais olha para o filho com desprazer. O outro olha com pena e estende a mão para segurar o filho que se retrai”.
Quem é o alcoolista na família? Poderia ser qualquer um dos três. Faz alguma diferença? Há algo em comum no comportamento dessas pessoas. Este algo é chamado co-dependência.

“Co-dependentes vivem de acordo com um conjunto de regras não faladas, que validam e legitimam a crença de que seu senso de auto-estima depende de como se comportam os que lhes são próximos. A fim de se sentir bem a respeito de si mesmo, eles direcionam suas energias para fazer outros felizes. Eles se bajulam dizendo que são amorosos, ajudadores e que estão salvando alguém. A verdade é que eles estão tentando controlar a vida de outra pessoa, num esforço de tornar suas vidas mais seguras. Nesse processo, eles dão ao outro um grande poder sobre si mesmos.” Timmen L. Cermak.

A relação de co-dependência não acontece apenas com pessoas que não se dão bem, mas em relações aparentemente saudáveis, o que a torna mais difícil de ser identificada. Como a relação acontece?
Por exemplo: começa quando uma pessoa com baixa auto-estima se junta a outra e esse tipo de situação permite a duas pessoas, que são incapazes de se sentir bem consigo mesmas, conseguir uma sensação de auto-aceitação através de sua conexão uma com a outra. Os laços entre co-dependentes transformam-se em limitações. Mais tarde os dois poderão se sentir aprisionados por sua inabilidade de tolerar rejeição e exauridos pelo peso da responsabilidade, pela segurança e felicidade do outro. Sua intolerância à rejeição literalmente os tranca dentro de uma relação de co-dependência.

A relação de co-dependência aparece em muitas relações, não é um privilegio das famílias que possuem um membro alcoolista.

Cito abaixo cinco características de relação de Co-dependência:

1- Co-dependentes mudam quem eles são e o que estão sentindo para agradar aos outros.
2-Co-dependentes se sentem responsáveis por preencher as necessidades de outra pessoa, mesmo que à custa de sua própria necessidade;
3- Co-dependentes têm baixa auto-estima;
4- Co-dependentes são movidos por compulsões;
5-Co-dependentes fazem o mesmo uso da negação e da relação distorcida com a força de vontade que é típica de alcoolistas ativos e de dependentes de outras drogas.

As cinco características da co-dependência apresentadas aqui podem ajudar você a identificar qualquer tendência em si mesmo para ser co-dependente. Acima de tudo, co-dependência é uma sensação interna.
Tal qual o alcoolismo, faz pouca diferença se alguém está colocando a etiqueta em você. O que importa é se você sente que a etiqueta lhe cabe.
Talvez a definição de um co-dependente seja mais bem expressa pelo dito “Quando um co-dependente está morrendo, o que passa diante de seus olhos é a vida de uma outra pessoa”.
Desejo que a sua vida passe diante dos seus olhos, não na hora da sua morte, mas no auge da sua vida!

Um Abraço!
Lila
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*A definição científica de co-dependência: Necessidade imperiosa em controlar coisas, pessoas, circunstâncias/comportamentos na expectativa de controlar suas próprias emoções.

Fontes que ajudaram na postagem:
Sede de Plenitude – Christina Grof – Editora Rocco
Sobre Adultos Filhos de Alcoolistas - Timmen L. Cermak, M.D (livro ainda não editado para o português).
Site: http://www.alcoolismo.com.br/

Um comentário:

  1. Lila,
    realmente o que disse é fato. Infelizmente o co dependente nem sequer tem forças para si proprio. Assim como o dependente precisa saciar a sua necessidade, o co dependente necessita dele. Torna-se um circulo vicioso e doloroso. Posso dizer isso com propriedade, porque vivo isso. Então foi muito bom, poder entender um pouco mais do que estou sentindo.
    Obrigada
    Gabriella

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